TatiCaverna

quarta-feira, março 04, 2009

"Discurso tìpico do Escravo" por Silvano Agosti

Um dos aspectos mais fatais da cultura atual è fazer crer que seja a unica cultura... ao passo que è simplesmente a pior.
Bom, os exemplos estao no coraçao de cada um... por exemplo, o fato de que as pessoas trabalhem seis dia na semana è a coisa mais mendicante que se possa imaginar.
Come se faz a roubar a vida de seres humanos em troca de comida, teto, de um automòvel qualquer.
Enquanto ontem eu acreditava que me fizessem um favor ao oferecer-me um trabalho, hoje penso:
“Olha sò, estes bastardos que me roubam a unica vida que tenho, porque nao terei uma outra senao esta... e eles me fazem trabalhar 5 vezes, 6 dias na semana e me deixam um unico e miseràvel dia... pra fazer o que? Come se faz para construir a vida em um dia?!”
Por este motivo, ninguèm deve colocar flores na janela da cela do qual è prisioneiro porque, entao, mesmo se um dia a porta è aberta, este nao desejarà sair...
Deve pensar sempre, em sa consciencia:
“Estes me roubam a vida e por isso me dao alguns trocados por mes enquanto eu sou uma obra-prima cujo valor è inenarravel.”
Nao entendo porque um quadro de Van Gogh deva valer 77 milhoes e um ser humano alguns trocados por mes.
Penso existir um critèrio para avaliar que com o desenvolvimento de novas tecnologias, os lucros tenham aumentado pelo menos 100 vezes... logo, o trabalho deveria diminuir pelo menos 10 vezes! E, ao contràrio, nao! O horàrio de trabalho se manteve intacto. Hoje sei que estao me roubando o bem mais precisoso que me foi dado pela Natureza. Pense na coisa mais bonita com que a Natureza nos brinda que è, digamos, fazer amor, nao?
Imagine que voce vivesse em um sistema polìtico, economico e social no qual as pessoas sejam obrigadas, atravès de vigilança, a fazer amor oito horas por dia... seria uma tortura... logo, porque nao deveria ser a mesma coisa para o trabalho que nao è com certeza mais prazeroso que fazer amor, certo?! Por exemplo, o fato que as pessoas trabalhem seis dias na semana... obviamente eu tambèm tenho uma arma contra a cabeça... faço porque sigo o discurso: “Melhor limpar o chao com a lìngua o morrer?”
“Melhor limpar o chao com a lìngua” e justamente o que è horrendo nessa cultura è que o “limpar o chao com a lìngua” se tornou em verdade uma aspiraçao, nao?
E è monstruoso que alguèm deva trabalhar 8 horas por dia e deva ainda ser agradecido a quem o faz lamber o solo, entende?
Tudo isso è “objetivamente” monstruoso mas, la onde a consciencia produz consciencia, tudo isso è “efetivamente” monstruoso...

Intervençao: “Certo mas a este ponto a situaçao è irreversìvel”

Sim, voce faz justamente um discurso de defesa de quem te oprime porque è tìpico do escravo, nao? O verdadeiro escravo... o verdadeiro escravo, defende o seu senhor, jamais o combate. Porque o escravo nao è tanto aquele com a corrente nos pès quanto aquele que nao è capaz de imaginar a liberdade.
Respeito o seu ponto de vista porèm quando Galileu enunciou que a Terra girava ao redor do Sol,havia certamente um como voce que dizia: “Bom, sao 22 sèculos que todos dizem que è o Sol que gira ao redor e agora chega voce com essa palhaçada... e como voce explica isso a todos os seres humanos?” e ele: “Isso nao è problema meu, senhor...”
“Entao, veja bem, nòs te jogamos em um poço e te fazemos negar o que disse, assim, tudo volta à ordem inicial”... entendeu? Porque todo o Ocidente vive em uma àrea de benefìcio porque esta roubando 8/10 dos bens do resto do mundo. Entao, nao è que estamos vivendo em um regime polìtico capaz de nos oferecer uma televisao, um automòvel... nao.
è um sistema polìtico que rouba 8/10 de 3/4 do mundo e dà um pouco de benefècios à 1/4 do mundo, que somos nòs... entao, caros senhores meus, ou nòs acordamos... ou fingimos dormir... ou precisamos ter em conta que estamos todos jà mortos...”

PS: Cliquem no tìtulo e vejam o discurso no original, em italiano.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

eXteNsão

se diz boca lingua apêndice
mas essa carne que me explora
nem é tão resoluta assim
indissoluta - é tensão
seja como for, tudo o que a mim não toca
também não toca em mim

quinta-feira, maio 15, 2008

afinal, o final

o ponto médio
entre dois pontos
talvez seja o ponto final

terça-feira, janeiro 22, 2008

semi-ânime

sob o mesmo sol
que nasce, pari
a folha morta em flor
aflora à pele, à seiva
adere o fim
em cada broto
semea-dor

quarta-feira, janeiro 09, 2008

fastifudidamente

pra recolher curvas nas estradas
predestinação biocronometrada
a la carte acaso
destino a rolê
posta sobre a mesa
a vida pra comer
fast-food d'água
nada sobre a gente

na atual neblina da próxima manhã
cobrir-se vento
ser tom sobre tom
sobre o calendário
uma mancha de café
realçando o tempo
pre
tenso a esquecer
num fast-food d'água
que é nada sobre a gente...
(mas fode sobre a gente)

sexta-feira, dezembro 28, 2007

vivamos hoje
como o último dia
de hoje o
último dia de
hoje amanhã
é o último dia
nascido hoje

terça-feira, dezembro 25, 2007

há profundezas em que ele soletra
fica! à tona atônica

[afônica?]

dos lençóis.
numa marcha que conduz
em}

versus


{ao

segredo
e não se desvenda

agora!
quando à mão recua o ato
sente o prurido da palavra que remata o verso
mas não conclui a prosa

um abraço que não embarca na noite
e um marulho que não se faz soar

nas profundezas ele soletra
!
fica, nos lençóis, atônita e afônica

à tona

sábado, dezembro 22, 2007

Cena em três cortes

1.
Ela dizia essas coisas como uma criança ingênua que durante uma brincadeira afirma "Mamãe, eu vou afogar essa boneca" e afunda o corpo inerte numa bacia de água límpida. Pronunciava cada palavra se deliciando com o espanto que elas me causavam e que se tornava explícito nos olhos arregalados, nos lábios entreabertos, no peso da respiração. Ela mordia a ponta da boca - malícia! - mas a expressão era tão serena que eu não ousava reputar-lhe condenação.

2.
"Bate! Bate que ela te obecede. Porque mulher é assim, funciona com incentivo. É dinheiro, trepada ou porrada, você é quem escolhe o que te agrada mais." [ri]
"Que isso, Elias, tá pensando que eu sou o quê? Essa mulher é de família, de família tá entendendo? Num é uma dessas que andam soltas por aí não, essa é pra casar. Só não obedece." [enfia amendoim na boca]
"Meu amigo, mulher de família quem faz é o homem. Se ela é santa ou puta, boa cozinheira, dona de casa, cama, mesa e banho, quem vai decidir?... é você! Depois num diz que eu não te avisei. [pausa] [fala devagar] Bate! [arreganha os dentes] Ôoo, garçom, a loura gelada é pra agora ou eu vou ter que me virar com a branquinha na cama?"

3.
"Merda de sapato!" Atirou-os em um canto qualquer e sentiu com alívio o suspiro dos pés. "Ah, se fosse eu..." Acendeu um incenso, jogou-se nas almofadas da sala e engatinhou as pernas pela parede até o vestido embrenhar-se pelo meio das coxas. "Eu teria socado" - ela sabia que sim - "tinha me descido a mão na cara". Esticou-se como um gato, contorcida de prazer. [sorri, mordendo a unha do indicador] "Ainda existem homens muito cheios de pudores..."

sexta-feira, dezembro 21, 2007

se queres gozar desta vida
de medir-te pelas calçadas
em fazer-te menos que aquém
porventura soubesses
que me faria pouco ou nada
só pra cimentar nessa estrada
que, por pouco ou nada, te sustém
acaso o cheiro dos passeios
polvilharia nos cabelos
pra ter o perfume de ninguém

e se queres que eu te esqueça
decerto assim eu o farei
como inverna um jardim coberto de flores
e a terra o aroma sustém

terça-feira, dezembro 11, 2007

Catus (et canis) erectus

no escuro
todos os gatos são pardos.
alguns tem o faro apurado dos cachorros
outros, não mais que o rabo de fora.

sexta-feira, novembro 30, 2007

o beijo nos lábios

manobrou um soco para arriar aquela cara insolente e desavergonhada
ponderou
um beijo cala essa matraca mais rápido
meteu as mãos por baixo da saia e vingou-se da forma que ela merecia:
despudoradamente.

terça-feira, novembro 27, 2007

me dá essa mão de nascer enredos
fábrica de brinquedos
das unhas de cada um dos seus dedos
à raiz dos meus cabelos

domingo, novembro 25, 2007

desnudei o pé tatuado e pedi
lê-me!
os olhos da pele na ponta da língua
e ele sempre preferiu o espaço entre as linhas

sábado, novembro 24, 2007

A Ring Tales é uma empresa norte-americana de animação que em 2007 conseguiu exclusividade para oferecer vida aos mais de 70 mil cartoons da revista New Yorker. Os fundadores, Jim Cox e Michael Fry, estão há mais de 20 anos na área de desenhos animados e entre suas atividades (individuais) estão colaboração no roteiro de “Oliver & Company”, da Disney, e co-produção de “Os Sem-Floresta” (Fry), da DreamWorks.

Este último longa foi, inclusive, inspirado na tirinha “Over the Edge” na qual Fry disseca a vida suburbana a partir do ponto de vista dos animais que já habitavam ali. Reencarnação, origem da humanidade e a pertinente indagação, “Is God a turtle or a raccoon?” são algumas das questões levantadas pela tartaruga Verne e pelo guaxinim RJ (é neste momento que a gente se pergunta: deus nos fez imagem e semelhança de quem? É um bom começo para que as verdades que julgamos absolutas comecem a sofrer abalos).

Para fins de cultura inútil (depois, por desencargo de consciência, utilizem o conteúdo num boteco qualquer e não se esqueçam de me oferecer um brinde), a parceria entre o mote das tirinhas de Fry e co-produção de Cox rendeu à DreamWorks cerca de 335 milhões de dólares. Inicialmente era um projeto da Fox mas, após mais de quatro anos sem avanços, mudou de estúdio e foi, afinal, parar nas telas de cinema.

Por este motivo, não podemos olhar para a Ring Tales como uma empresa de animação comum. Mais do que uma produtora com toda aquela impregnante conversation blasé “amor à arte em primeiro lugar”, ela se propõe uma solução inteligente, divertida e cativante de propaganda; em suma, o sonho de fidelização e inserção ao mundo do cliente.

“In our experience, viewers are happy because they get immediate access to the content. Advertisers are happy because the content has a great payoff. In fact, we’re seeing people watch the clips multiple times – it’s an advertiser’s dream come true.” Michael Fry


PS: É claro que depois de tanta fuzarca em torno da Ring Tales, eu não deixaria de colocar aqui o link para as animações. Encontrei os vídeos por um acaso, numa dessas fuçanças youtubísticas e que, quase sempre estéreis, às vezes me presenteiam com surpresas bastante agradáveis.

segunda-feira, novembro 19, 2007

despediu-se do espartilho vermelho
antes que chegasse ao amanhecer
a noite vinha sempre de pernas abertas.
à noite, também.

sábado, novembro 17, 2007

Clemetine Wannabe ou I want Lacuna Inc. on my mind!

Memórias são como filmes desencontrados e quem já assistiu a um filme do David Lynch haverá de saber do que eu falo. A história é sempre mirabolante, um começo que não diz nada, um meio que bem poderia ser um fim e um desenlace (existe mesmo um desenlace?) que, por mais trágico que seja, guarda invariavelmente um sorriso feliz à face de quem o revive.

É sim, porque eu não conheço alguém que não veja o passado como um não-lugar grandioso. “Eram tão bons aqueles dias”, costumam dizer. E realmente eram! O decorrido tem por sorte o verniz esmaecido do tempo, uma camada aveludada do mais inube esquecimento que se possa imaginar. Assim como um bom filme, uma lembrança que se preze passa por um rigoroso processo de montagem na qual a elipse é o elemento chave a sua sobrevivência.

E por falar em memória, a edição brasileira da National Geographic deste mês tem como matéria principal... a Memória! Com o subtítulo “Lembrar e esquecer: estudos tentam explicar a essência de nossas vidas”, a reportagem se concentra nos dois extremos: os personagens reais AJ, 41 anos, que “lembra-se de quase todos os dias de sua vida a partir dos 11 anos de idade”, e EP, 85 anos, que “só se recorda de seu pensamento mais recente”.

Sinceridade? Se eu – e a torcida do Flamengo – pudéssemos escolher, seríamos, certamente, EP! Relata o repórter Joshua Foer que ele, EP, “acorda de manhã, toma café e volta para a cama para ouvir rádio. Mas, de volta à cama, nem sempre sabe se acabou de tomar café ou de acordar. É comum ele tomar café de novo e regressar à cama a fim de ouvir rádio outra vez. De vez em quando, faz isso três vezes.” (Meu Deus, esse homem tem estômago de avestruz!!!!!)

Continuando: “Faz caminhadas pelo bairro (...) Senta-se no quintal. Lê o jornal (...). Quem é Bush? Que Iraque? Computadores, como assim? (...) Depois de ler a previsão do tempo, ele rabisca bigodes nas fotos ou traça o contorno da colher que tem na mão. Quando vê o preço das casas no caderno de imóveis, invariavelmente proclama seu espanto. (...) pelo que ele saiba, a gasolina custa 25 centavos o litro e o homem nunca pisou na Lua”.

Gostaram? Pois eu adorei! Lembranças são prazerosas mas o caminho que lidera a este resultado é incrivelmente doloroso. Entre intervalos, making-offs, seleção de casting, de cenas deletadas, etc., há uma distância grande que não cabe nas elipses fixadas. Neste percurso, muita informação se perde – “Ei, isso aconteceu mesmo?” – e com ela, parte do fascínio que regula o factual. O encanto da realidade, adversa à recordação, não se concentra no seu caráter estético e sim, emocional. Tudo o que sentimos, por pior que seja, só faz parte da exatidão daquele momento específico e, depois de incrustado na memória, ganha uma roupagem tão bonita que mesmo a dor mais doída é um deleite recordar.

Um bom exemplo é “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, do francês Michel Gondry. Lançado em 2004, o filme conta a história de Joel (Jim Carrey) cuja mulher, Clementine (Kate Winslet), após uma crise na relação, vai ao consultório da Lacuna Inc. e o deleta de sua memória. Magoado, Joel resolve passar pelo mesmo procedimento; entretanto, durante o processo de apagamento, ele se arrepende e decide manter as recordações, a despeito de toda a dor vivida. A partir de então, começa a luta de Joel que, emboscado em sua própria mente, tenta impedir que os médicos façam Clementine sumir.

Sem querer ser ensaística, o filme é um argumento bem interessante sobre a fugacidade das relações humanas (quaisquer que sejam elas, desde amor até amizade). Prova disso é que somos apresentados à história de Joel e Clementine mais pela limpeza que este faz de suas lembranças que pelo presente (factual) vivido pelo casal. O apego às recordações é o que alinhava e desenrola a trama, e é neste - talvez único para Joel - universo que Clementine gravita. “Amar o amor”, como diz Roland Barthes em seu livro “Fragmentos de um Discurso Amoroso”: “e se chegar o dia em que eu tiver que renunciar ao outro, o luto violento que toma conta de mim então, é o luto do próprio Imaginário: era uma estrutura querida, e choro a perda do amor, não de fulano ou fulana”.

O que importa, portanto, é a edificação deste Imaginário sugerido por Barthes; já que a superficialidade toma frente das relações atuais – nas quais é sempre possível apagar e/ou substituir o outro (uma cara-metade inesquecível por noite, aquele amigo de coração que você conheceu há uma hora e com quem viveu momentos incríveis) – então o que resta é a plástica das memórias deixando exclusivamente o que convém à satisfação da tal “estrutura querida”. “É, vai ficar muito bonito quando eu contar”.

É por isso que decidi fundar o movimento Pró-EP ou I want Lacuna Inc. on my mind. Quero também fazer parte da horda que se alivia nas multidões, que não utiliza a memória como agente autoregulador (sim, eu apóio a castração do meu superego) mas que aceita as regras tal como elas se desencadeiam do lado de fora. "Ele é feliz o tempo todo. Muito feliz. Acho que é porque não sofre nenhuma tensão na vida", afirma a filha de EP.

Já dizia Fernando Pessoa, em seu "Livro do Desassossego", que "de sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos". À guisa desta vitrine moderna estamos todos sempre sujeitos à substituição. Pratique a amnésia social e boas compras!

E já que toda memória é, antes de tudo, um discurso, complemento com uma citação que, muito embora tenha sido aplicada originalmente ao enlace amoroso, bem serve às relações gerais estabelecidas durante a vida de todas as pessoas:
"(...) o discurso amoroso é hoje de uma extrema solidão. Tal discurso talvez seja falado por milhares de sujeitos (quem pode saber?), mas não é sustentado por ninguém; é completamente relegado pelas linguagens existentes, ou ignorado, ou depreciado ou zombado por elas, cortado não apenas do poder, mas também de seus mecanismos (ciência, saberes, artes). Quando um discurso é assim lançado por sua própria força na deriva do inatual, deportado para fora de toda gregariedade, nada mais lhe resta além de ser o lugar, por exíguo que seja, de uma afirmação."
Roland Barthes - Introdução de "Fragmentos de um Discurso Amoroso"

terça-feira, novembro 13, 2007

Pensamento neocartesiano

Tenho orkut, logo existo.


PS: Tanto tempo sem postar e eu me saio com uma dessas. Realmente, eu já não faço mais postagens como antigamente. Liguei o f*-c.

quarta-feira, setembro 05, 2007

home sweet saudade

segunda-feira, agosto 20, 2007

tudo o que fala
faz verão à voz do universo
trazendo o instante para o além de lá
tudo o que se tatua no vento
tapeia o contato e vela a superfície das coisas
com o pretexto das naturezas semi-mortas
que reclamam vida num canto qualquer da memória
e se derrubam à sorte de um incerto amanhã.
haverá o dia em que colheremos no infinito
os resquícios das palavras ditas em surdina
e será, só então, que a vida começará...

terça-feira, julho 24, 2007

que ninguém se engane
lambida, sou sabor ferida
ando mais pra fel que favo de mel

quinta-feira, maio 31, 2007

por trás de toda via
tem uma vida que freme
se espreme
para passar em um buraco de agulha
portando córcovas de camelo.

sábado, maio 12, 2007

Sobre a quase ausência de uma memória musical

Seis badalas. Ou quase isso. Depois uma música que se eleva e toma conta da cidade, o som percorrendo o calçamento hexagonal da pequena Areado em que meu avô nasceu, viveu e morreu. O camarada descia a cavalo com o gado – eia, boi! – juntando as vacas aos bezerros que descansavam no curral.
“Boi não dorme em pé, vô?”
“Dormi.”
“Então, por que você não deixa elas no pasto logo de uma vez?”
“Tem qui dá di mamá prus garroti.”
“Ah...”
Meu avô Sabino falava enrolado e só quem havia crescido ao seu lado entendia o carregado mineirês do seu linguajar. Não raro as pessoas me fitavam com cara de “ahã?”, pedindo auxílio no andamento da conversa. Ele que, apesar de bom de prosa, não era de muitas palavras, dava de ombros. Era do tipo que só perdia tempo se realmente julgasse que valia a pena gastar.
A sede de sua fazenda se assentava dentro do perímetro urbano, a menos de dois quilômetros de distância da praça principal. Era uma dessas típicas casas de campo que começavam apenas com um quarto para o casal, um para o primogênito e uma sala, com a cozinha e a fossa sanitária do lado de fora. À medida que os filhos iam chegando e a vida financeira melhorando, novos cômodos eram anexados à construção e, ao final, somavam ao todo sete quartos, duas salas, uma copa, dois banheiros e duas cozinhas, mais a varanda e a área de trabalho doméstico da minha avó.
Acima da sede, havia um grande pomar, com mexerica, melancia, jabuticabeira, pé de nona, de goiaba, cajueiro e até um coqueiro que os netos nunca deixaram em paz. Coco em Minas era fruta rara e a disputa, acirrada. Felizmente, não posso negar que, neste ponto, sempre estive em grande vantagem. Fui de meu avô a neta favorita, a que aniversariava junto, a que passeava no velho Willis pela cidade, a que o fazia descascar um saco de laranjas para comer só a tampinha e a que adorava vê-lo encher a espingarda de pólvora para atirar contra os corvos que atacavam o milho da plantação. Logo, não importava quando ou como eu derrubasse os cocos: ele ainda pegava o facão e os abria para mim, sem resmungar.
A horta ficava adjacente ao pomar e era cortada por um “córguinho” que passava na “bica”. Este pequeno fluxo de água corrente fora desviado pelo meu avô do curso natural de uma nascente que servia tanto ao abastecimento da casa quanto à irrigação da lavoura. A “bica” se encontrava constantemente coberta por lodo mas bastava que eu e minhas irmãs chegássemos para que minha tia Regina tomasse da vassoura e esfregasse cada pedra existente, já ciente de que nos banharíamos ali. A água gelada era domada à força de muita correria atrás das canoas e jangadas que a gente fabricava com folhas de parreira e de maracujá, e que fazíamos questão de levar ao mais alto ponto permitido pelo olhar materno só para vê-las deslizando muito além do nosso alcance. Às vezes, jogávamos também formigas, borboletas, lagartas e patinhos, até o dia em que eu lancei alguns pintinhos, tomei um sermão e, afinal, descobri que filhote de galinha não sabe nadar.
Na parte de baixo da fazenda, existia ainda a área de secagem de grãos, seguida pela moenda, o curral, o chiqueiro, o ribeirão e a floresta de eucaliptos. Sob o quente da tarde ou mesmo nas fortes chuvas de verão, tinham sempre dois caboclos mexendo o café, arroz ou feijão deixado no pátio, seja para enxugar a colheita ao sol ou protegê-la do açoite torrencial das águas. Contam que um desses peões perdeu os dedos da mão no moedor e eu fiquei imaginando o sangue e o suor caindo por sobre o silo que alimentava o gado que depois me alimentava. Rápida como minha imaginação era o esquecimento deste episódio, tão logo me era apresentada uma caneca de leite espumante tirado na hora. A vida (sem hipocrisia), por mais infeliz que seja, é assim.
Particularmente, um dos meus espaços favoritos era a varanda que semi-rodeava a casa. Nela cresciam, em xaxins pendurados nos portais, algumas samambaias choronas e, espalhados pelo chão, vasos com antúrios. No banco de madeira que encarava a estrada de terra, muitas tardes de domingo ali eu passei durante a minha infância, sentada ao lado do meu avô. Ele ficava, no mais das vezes, mudo, dando tapas nos besouros que zanzavam sobre a minha cabeça. “É tudo bichim amigu. Faiz már pra ninguéim” e os pegava pela casca dura, colocando o dedo entre as patas do inseto. “Tá veno. Eles senti inté cóiciga”, dizia, sorrindo e rindo do meu medo infundado.
Por todo o tempo que permanecíamos sentados, meus pés ficavam balançando no banco e somente mais tarde tocaram o chão. Eu deixava os dois flutuando – para frente, para trás, para frente, para trás – enquanto meu avô falava. Contava do tempo em que ele vinha a Alfenas “di cavalo”, comentava a trajetória da penca de parentes moradores de Areado, depois pegava a caixa de fotografias e me mostrava, um a um, os rostos que eu desconhecia e ainda desconheço.
Uma vaca mugia, a tarde ia caindo, em pouco, meu vô Sabino e a fazenda restavam em silêncio. Começava a cantoria dos grilos e, do outro lado do morro, após a missa, a tal música no fundo. Na cidade, que da varanda eu tinha vista parcial, alguém gostava de fato de Carlos Gardel. Fumando Espero, Volver, Nel dia que me quieras, Mano a Mano e outras tantas canções trouxeram consigo entardeceres calados ao lado do meu avô.
Logo, minha mãe me avisava que era hora de ir embora.
“A bença, vô.”
“Deus te abençoe” – e me apertava a mão dentro das suas.
Enquanto o carro partia e até que sumíssemos estrada afora meus avós paternos abanavam os braços, acenando em longa despedida. No final de 2003, primeiro minha vó Maria morreu e a casa começou a ficar vazia. O fogão a lenha nunca mais foi aceso (não que tivesse visto) e não tinha mais biscoitão e bolacha de maizena esperando por nós no café da tarde. Aliás, nem havia mais aquele aroma de café moído sempre na hora, nem as rotineiras e solitárias retrucações que ela mantinha consigo mesma (a vó Maria tinha problemas mentais e passou muitas vezes por clínicas psiquiátricas, que antigamente só existiam em BH. A mais remota lembrança que tenho dela é justamente com uma faixa de cabelo branco cortando de testa à nuca o negro dos fios, resultado dos antigos tratamentos a base de choques elétricos que os pacientes recebiam nessas instituições. Mas isso são outros quinhentos).
Mais ou menos um ano depois, foi-se também o meu avô. No fim de semana de sua morte, eu e minha mãe estivemos no hospital por diversas horas para que ele não ficasse sozinho em um ambiente não familiar. Ele estava um pouco pálido mas aparentemente bem, só respirava com dificuldade (principalmente porque eu o fazia tirar o inalador do rosto várias vezes para que respondesse às minhas perguntas). Depois dormia e acordava “Cêis ainda tão aí? Podeí qui cêis devi di tê o qui fazê, quarqué coisa eu falu cum as infermera”. Como eu, ele era arredio ao excesso de cuidados.
Tomei o ônibus de volta ao Rio no domingo; na mesma noite o vô Sabino faleceu. Minha mãe me ligou chorando mas eu mesma derramei poucas lágrimas. Melhor assim: meu avô sempre me fez sorrir em vida e eu não iria desapontá-lo em seu momento final.
O jipe e as fotografias, assim como a sede da fazenda, ficaram com meus tios na partilha dos bens, fato que eu custei a aceitar. O Willis estava em pedaços e a ninguém nunca interessou. O mesmo posso dizer das fotografias; aquelas vidas roubadas do tempo sempre foram minhas ainda que eu não soubesse a quem pertenciam. Meu pai escolheu um pedaço de terra onde ele nasceu e no qual eu nunca pus meus pés mas que ele alega ser fértil e de bom valor comercial. A mim, pouco importa.
Fui em Areado de bicicleta no feriado que passou. Depois da morte do meu avô, não voltei à casa da fazenda e, dessa vez, apenas admirei-a de longe mas não existia mais nada que me pertencesse lá. Sentei, então, na pracinha que rodeia a igreja e fiquei esperando Gardel. A tarde findou e sua voz não deu o ar da graça depois da missa areadense. Milongas podem parecer cantigas tristes mas é a quietude a verdadeira dor de uma canção.
Mi Noche Triste, Adiós para Siempre! Nostalgias (...) Si las copas traen consuelo, aqui estoy con mi desvelo para ahogarlo de una vez.

domingo, maio 06, 2007

quem sabe o que há de vir
daquilo que há a dever?

segunda-feira, abril 23, 2007

o eco se basta
o outro que não é ele
é eco também

eu sou a menor parte de mim.

minguante...

domingo, abril 08, 2007

Confronto-te Urbano

Não pisa em grama quem não quer colher quilo.

um ter-se pouco
que é ser-se pouco
que é ver-se pouco
querer-se pouco
de pouco a pouco

quinta-feira, março 15, 2007

se à distância
o branco
à vista
insiste
à mente sana
o negro
é que persiste

segunda-feira, janeiro 22, 2007

"A dor não é importante, mas sim o medo que sentimos dela. Porque o temor é inimigo óbvio do ego. Nosso medo é permanente porque somos temporários e vamos morrer. (...) A questão mais relevante é que nunca vivemos no momento presente, sempre estamos pensando no passado ou no futuro. Mas o agora é mais importante, porque é o único tempo seguro. O passado já foi e o futuro ainda não aconteceu."
(Marina Abramovic em entrevista à Daniel Hora para a revista Trópico de novembro)
Lá, detrás daquela serra que ora encerra meu mundo, eu costumava ver o meu futuro. Com o indicador em riste, eu apontava o lugar incerto onde as montanhas já eram o horizonte e previa o mundo a minha espera. Ah... ele era tão longe e tão grande mas servia inteirinho no breve fechar dos meus olhos, ele era potência disfarçada de imaginação. Tinha tanto depois dali que faltou espaço para mim. Pois, eis-me de novo aqui, multidão no vazio...

terça-feira, janeiro 02, 2007

PARTE 1
As palavras me vêem quando eu não vejo
e me vem quando eu não quero.

PARTE 2
Eu trabalho nas palavras
depois que elas trabalham em mim.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

bom dia, lua
boa noite, sol
tarde de estrelas
anzóis de ares
do mar, flanares
gotas de seca
cupim de alma
entalhe de calma
em madeira sem lei
fruto permitido
pro pecado absolvido
grilhão em testa de rei
salve, excelentíssimo vadio
arrasta-pé, sangue azul não quisto
bandeira branca pra tempos de paz
decadência cintilante
fortaleza de origami
fragilidade a prova de mas

sábado, dezembro 09, 2006